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Muito além da indignação

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Foto: Bruno Sebastião

Desde 2013, uma onda de politização tomou conta do país.  Felizmente, parece que as pessoas descobriram que a cidadania não é algo que deve ser exercido somente de dois em dois anos, quando há a oportunidade de depositar os votos nas urnas. Com isso, a discussão sobre os temas que têm afligido a nação ocupou lugar importante no meio da sociedade, que está motivada a manifestar a própria indignação contra tudo o que anda de errado no país.

Porém, será que a revolta que ora vemos nas ruas e nas redes sociais é suficiente para transformar o Brasil naquilo que desejamos? Se ficarmos só nisso, particularmente, acredito que não.

Afinal, as raízes de todos os nossos problemas estão aqui mesmo, na sociedade. E não estou falando só da falta de consciência política de grande parte da população brasileira que, constantemente, precisa ser acordada para a realidade nacional. Estou falando muito mais sobre a falta de entendimento quanto ao significado mais amplo e concreto da palavra “cidadania”. Uma cidadania que é praticada sim, nas urnas e nas ruas, mas que, naquelas ocasiões, surge apenas como um termo utilizado para definir expedientes de momento, que não se estendem pelo cotidiano das pessoas.

É claro que a cidadania se manifesta de maneira frondosa quando vamos às urnas, como também se apresenta quando vestimos uma camisa de qualquer cor e vamos às ruas para defender opiniões e mostrar nossa indignação contra algo que percebemos que está errado. Contudo, estas são apenas formas pontuais de manifestação da cidadania. Ainda que sejam bastante visíveis, elas são meras fagulhas de uma preciosa aluvião que no Brasil ainda está escondida e que pode vir a representar a nossa verdadeira riqueza.

Não tenha dúvida: enquanto não começarmos a praticar a cidadania em nossa vida diária, fazendo isso de maneira individual e coletiva, de nada adiantará qualquer manifestação ocasional desta riqueza, por mais espalhafatosa que esta manifestação possa ser .

Enfim, de que adianta no domingo a pessoa empunhar a bandeira do Brasil, gritar palavras de ordem e cantar o Hino Nacional se a partir da segunda-feira ela vai continuar estacionando em indevidamente em vaga para idoso e para deficiente e em ponto de ônibus? De que adianta ela pregar contra a corrupção no país se ela mesma não se abstém de cometer os próprios atos de corrupção, que vão desde os mais simples, como desrespeitar o horário de exposição do lixo para coleta, até os mais graves, como cometer atos de discriminação étnica, de gênero, religiosa ou de qualquer outra natureza?

Pensando bem, de que vale uma pessoa pretender que os brasileiros se unam contra o que está de errado no país se ela mesma não busca se unir aos próprios vizinhos para tentar resolver o que há de errado no bairro onde ela mora?

Realmente, se desejamos mudar o Brasil precisamos ir muito além da indignação. Precisamos começar a mudar a nossa postura diante do que é público e do que é privado. Devemos começar a processar uma mudança em nós mesmos, em nossos hábitos individualistas, que prejudicam a coletividade. Se queremos criticar o outro por não ser ético, devemos nos revestir de ética. Se pretendemos uma mobilização nacional que seja capaz de fazer surgir as soluções para os problemas do país, devemos antes participar da comunidade que está próxima a nós e que visa às soluções para os problemas que estão mais próximos do nosso cotidiano.

Diga-se de passagem, além dessa ser uma estratégia muito útil para melhorar o lugar onde vivemos, ela também significa um tipo de postura que pode servir como excelente treino de cidadania, que nos dará ótima base para nos posicionarmos com dignidade verdadeira, seja nas urnas ou seja nas ruas.